A professora Graça foi minha orientadora de Iniciação Científica, minha professora na graduação e no mestrado, ou seja, esteve presente na minha vida acadêmica. Abaixo a entrevista que ela deu para o Portal do Professor do MEC, não poderia deixar de compartilhar!
Docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Maria da Graça Moreira da Silva leciona no curso de graduação em tecnologias e mídias digitais do Departamento de Computação. Também é professora no Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo, Linha de Pesquisa Novas Tecnologias na Educação.
Doutora em educação, ela integra o Programa Postdoctoral de Investigación en Ciencias Sociales Niñez y Juventud, oferecido pelo Centro de Estudios Avanzados en Niñez y Juventud da Fundación Centro Internacional de Educación y Desarrollo Humano (Cinde), numa parceria entre México, Colômbia e Brasil.
Com experiência na gestão de projetos em larga escala, na formação de recursos humanos, e-learning, educação a distância e tecnologias para a educação, Graça diz que para aprender e ensinar na cultura digital não basta equipar as escolas com computadores e acesso à internet. Segundo ela, são necessários diversos fatores combinados, tais como a apropriação crítica das tecnologias; a formação de docentes, de alunos e gestores; a inserção à linguagem que flui nas redes conectadas; a produção e distribuição de conhecimentos; a construção de sociabilidades, identidades, valores, relações humanas e a participação social.
“A inserção na cultura digital implica a escola se enxergar como partícipe desta cultura e, dessa forma, atuar como leitora crítica e autora deste mundo”, diz. “Nessa cultura, a escola e o currículo não podem estar desassociados.” (Fátima Schenini)
Jornal do Professor – O que é cultura digital?
Graça Moreira – As mudanças nas organizações sociais foram aceleradas nas últimas décadas do século 20 e se intensificaram neste início de século 21, principalmente em decorrência dos avanços científicos e tecnológicos que, com as progressivas mudanças sociais e econômicas, impactaram as formas como nos comunicamos, nos relacionamos e também de como aprendemos. Assim, o avanço das tecnologias é um dos principais motores responsáveis por impulsionar novas funções e componentes à comunicação e novos conceitos às práticas sociais. Essas mudanças se iniciaram mais destacadamente a partir dos anos 70 do século passado, pela inauguração do uso pessoal de computadores. Expandiram-se nos anos 90, com o uso da internet, e tomaram corpo, chegando aos dias atuais com a popularização do uso de dispositivos móveis sem fio, como os tablets, telefones celulares, tocadores de áudio. Dessa forma, o advento da microinformática, da internet e das tecnologias móveis favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por conseguinte, de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar, criar, produzir, comunicar e aprender e inaugurou novas formas de registrar e representar o pensamento, reconfigurando nossa presença na cultura, no mundo e com o mundo: a cultura digital.
A cultura digital, por sua vez, não é determinada unicamente pelas tecnologias, mas se constrói em decorrência do uso e apropriação social dessas tecnologias no dia a dia. A tecnologia provê a infraestrutura e os dispositivos, o suporte à cultura digital, mas é seu uso social e compartilhado que faz a diferença. O contexto da cultura digital engloba o uso de dispositivos e é marcado pela conexão com a internet. Envolve o uso de telefones celulares, tocadores de áudio (i-pod), videogames, tablets etc. Usamos esses dispositivos em nosso cotidiano, bem como os recursos possíveis à comunicação e à informação, e são esses e outros dispositivos conectados com a internet que nos possibilitam assistir a filmes, o acesso a notícias, a comunicação com pessoas em diferentes localidades, o compartilhamento de vídeos, fotos e a informação. Possibilitam também o acesso e a navegação em múltiplas fontes de dados, aos serviços públicos, à produção, à difusão e ao compartilhamento de informações. Nesse cenário, integrar a cultura digital se conforma como um dos princípios constitucionais da democracia e da economia nas sociedades. Portanto, não estar integrado e conectado às redes pode ser interpretado como uma forma de exclusão digital e social à contemporaneidade. Assim, estar conectado é uma questão de direito, uma condição para o exercício da cidadania plena.
– De que maneira a cultura digital pode ser usada na escola?
– A escola está em meio ao debate sobre o uso das tecnologias, suas contradições, seus impactos na aprendizagem, no ensino e nas relações pedagógicas. Os dados sobre a presença e uso de computadores na educação são reveladores: por um lado a Pesquisa TIC Educação 2013, realizada pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI – 2013a; 2013b), revela que 100% das escolas públicas do país têm computadores, na área administrativa ou em outros espaços, como a sala dos professores e o laboratório de informática. A mesma pesquisa revela que 71% das escolas públicas brasileiras têm conexão com a internet, embora com velocidade ainda lenta. Por outro lado, a residência do aluno é apontada como local em que o acesso à internet se dá em 65% dos casos, e apenas 8% na escola.
Observamos que o acesso e permanência das crianças e jovens em suas residências frente à TV, aos computadores, aos jogos eletrônicos e à internet tem se tornado cada dia mais comum nas grandes e pequenas cidades, em especial em seus territórios mais vulneráveis. Algumas vezes seduzidos pelo carrossel imagético dos programas televisivos; outras, pela velocidade dos jogos ou das possibilidades comunicacionais das redes sociais na internet ou ainda pela impossibilidade do brincar fora de casa. Identificamos crianças pequenas manipulando telas de tablets ou teclando computadores para desvendar o acesso a vídeos ou brincadeiras. Ouvimos relatos de jovens que “mexem” em quaisquer dispositivos.
Porém, ensinar e aprender na cultura digital são atividades de outra natureza, que a manipulação de computadores pelas crianças e a comunicação entre os jovens não permitem. Aprender e ensinar na cultura digital não se limitam a equipar as escolas com computadores e acesso à internet, mas decorrem de diversos fatores combinados, dentre os quais a apropriação crítica das tecnologias; a formação de docentes, de alunos e gestores; a inserção à linguagem que flui nas redes conectadas; a produção e distribuição de conhecimentos; a construção de sociabilidades, identidades, valores, relações humanas e a participação social. Trata-se de democratizar e legitimar não apenas o acesso, mas a expressão da voz dos professores e alunos por meio das tecnologias e, a um só tempo, integrá-la ao currículo e oportunizar seu uso inovador.
Dessa forma, a inserção na cultura digital implica a escola se enxergar como partícipe desta cultura e, dessa forma, atuar como leitora crítica e autora deste mundo. Nessa cultura, a escola e o currículo não podem estar desassociados. É função da escola, em seu planejamento, fazer a análise das potencialidades das tecnologias para estimular a desenvoltura da criança e do jovem nas habilidades do pensamento e do convívio, já com início na educação infantil. Propiciar o uso criativo e autoral pelos alunos, por meio de projetos concebidos, elaborados e divulgados por eles, tem se mostrado um bom caminho.
Práticas pedagógicas importantes e relevantes são desenvolvidas pelas escolas considerando o repertório dos alunos, seu contexto, suas demandas e a realidade social de sua comunidade. Dentre os ricos exemplos presentes nas escolas brasileiras, podemos citar o uso de redes sociais para o desenvolvimento de projetos colaborativos entre diferentes escolas; a montagem e a operação e divulgação de programas de rádios na escola; a construção de protótipos empregando diferentes ferramentas e materiais, como a robótica e a programação de computadores pelos alunos; o uso de ferramentas tecnológicas para a aprendizagem, dentre outros.
– Quais os principais benefícios do uso da cultura digital na escola e na educação?
– Os maiores benefícios da integração da cultura digital à educação estão voltados para a melhoria da qualidade social da educação, a inclusão digital e social e a cidadania. Da educação infantil ao ensino médio, os projetos mais significativos são aqueles que despertam a curiosidade epistemológica, permitem a autoria e a expressão da voz dos alunos e professores e incentivam o protagonismo social, por meio da construção de projetos para resolver problemas de sua comunidade.
– E quais os maiores desafios?
– O grande desafio para a educação é construir o currículo integrado à cultura, agora digital, pois as tecnologias por si não conseguem promover mudanças na educação ou inovações no ensino. Segundo Almeida e Silva (2014), o currículo, enquanto direito assegurado, público, gratuito e universal, é que define o uso das tecnologias, e não é definido por ela. Nele se encontram os espaços epistemológicos e metodológicos e didáticos para o equacionamento das questões postas nessa pós-modernidade imersa no modus vivendi da cultura digital. Outros desafios se assentam na formação de educadores, no planejamento conjunto do projeto pedagógico da escola e no entendimento das características das diferentes fases da vida dos alunos – alunos esses já nascidos na cultura digital. O provimento de infraestrutura, como computadores, acesso rápido à internet e o bom funcionamento dos equipamentos são condições básicas para a escola ultrapassar o embate com as tecnologias e passar a integrá-las à prática pedagógica.
– As instituições de educação superior preparam seus alunos de licenciatura, futuros professores, para o uso de tecnologias digitais nas aulas? Qual a melhor solução para que os professores sejam capacitados a usar as tecnologias?
– As instituições de educação superior, em sua maioria, ainda não estão voltadas para a formação dos licenciandos quanto ao uso das tecnologias em sala de aula. Algumas já incluem no currículo disciplinas que tratam da tecnologia na educação. Usualmente, são disciplinas isoladas, não integradas ou tratadas de forma transversal ao projeto pedagógico dos cursos. Nesse cenário, os professores mais inovadores ou entusiastas buscam, muitas vezes por suas expensas, cursos, eventos ou parcerias com instituições diversas para se apropriarem do uso das tecnologias na educação. Grande parte dos professores se beneficia dos programas públicos oferecidos pelo Ministério da Educação ou promovidos pelas secretarias de educação. A melhor solução para a preparação dos professores seria a integração das tecnologias aos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura associada à formação continuada.
– O uso da cultura digital na escola é uma tendência mundial? Como está o Brasil nessa perspectiva?
– A integração da cultura digital é uma tendência mundial. Os países desenvolvem projetos distintos, de acordo com sua realidade, sua política educacional e de nação. O Brasil desenvolve políticas públicas educacionais que envolvem o uso de computadores na educação desde a década de 1980. O MEC, por meio de projetos institucionais voltados para as escolas públicas, estabeleceu como prioridade, desde 1980, equipar escolas, o desenvolvimento de pesquisas, a constituição de núcleos de formadores multiplicadores nos estados, a formação de professores no contexto das escolas e a introdução de inovações. O Brasil tem uma densa trajetória e, ainda, grandes desafios.
Fonte: Portal do Professor
2 Respostas
Penso que tudo que é feito em matéria de modernidade na área de conhecimentos digitais ligados à educação será sempre de grande proveito e enriquecerá nossas capacidades nesta área.
Acho a cultura digital importantíssima na formação e no crescimento de qualquer cidadão que deseja se sair bem em qualquer área de conhecimentos específicos ou porque não dizer em todas as áreas.